As medidas socioeducativas aplicadas a jovens infratores levam em consideração o histórico e as condições de vida dos adolescentes. “A Justiça da Infância tem um tratamento mais humanizado que leva em consideração todo o contexto social, a necessidade de recuperação e de ressocialização desse jovem”, explica o advogado e membro do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo Ariel de Castro Alves.
Os profissionais envolvidos neste processo ouvidos pela Agência Brasil reclamam, entretanto, que nem todos os instrumentos fornecidos pela legislação são usados na prática. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) inclui possibilidades que vão desde a cobrança legal de envolvimento dos pais no processo até a utilização da semiliberdade – medidas que atualmente são subutilizadas. Para esses especialistas, alterar a legislação para infratores – com a redução da maioridade penal – sem aplicar a lei atual de forma plena não faz sentido.
O juiz titular da 4ª Vara da Infância e Juventude da cidade de São Paulo, Raul Khairallah de Oliveira e Silva, diz que faz determinações para que os pais de infratores cumpram medidas socioeducativas – entre elas, o tratamento psicológico, psiquiátrico ou de drogas e o acompanhamento da frequência e desempenho escolar dos filhos –, mas elas dificilmente são cumpridas. “Quando o adolescente responde por ato infracional, não é só ele que está respondendo. Responde ele e os pais ou responsáveis”, ressalta. Mas, segundo ele, a maioria dos magistrados não aplica nenhum tipo de medida aos pais. “E as medidas que eu aplico [aos responsáveis], muitas vezes, não são executadas porque o Estado não é estruturado para isso”, acrescenta.
Apesar das dificuldades em responsabilizar os pais pela conduta dos filhos, os infratores chegam às audiências acompanhados de responsáveis. Ricardo é pai de Luciano*, de 14 anos, acusado de participar de dois roubos. Convencido da inocência do filho, o pai, que trabalha como segurança, diz que a família toda se sente punida, especialmente nos dias de visita. “Não é nada tranquilo, nada fácil. Eles marcam para entrar às 14h, a fila está dobrando o quarteirão. Você entra às 15h ou 15h30. Você passa um constrangimento. É muita humilhação. Você se sente um preso também, junto com eles”, relata sobre as dificuldades para encontrar o filho durante o mês de internação provisória. Já o jovem reclama de maus-tratos por parte dos internos. “Eles me tratam mal, pisam em nós”, queixou-se.
Vice-presidente do Movimento do Ministério Público Democrático, o promotor da infância Tiago Rodrigues vê problemas na aplicação das medidas voltadas aos próprios adolescentes. Segundo levantamento feito por ele na Promotoria da Infância de Juventude da capital, os infratores ficam, em média, pouco mais de sete meses internados. “O processo educativo não está sendo utilizado. Nós temos três anos para trabalhar esses adolescentes. Nós estamos trabalhando, em média, um pouco mais de sete meses”, enfatizou com base na análise de 3,3 mil processos que passaram pela promotoria entre agosto de 2014 e março de 2015.
De acordo com o promotor, a falta de vagas é uma das razões para que as internações não tenham a duração necessária para um efetivo trabalho de reeducação dos infratores. “Neste momento, nós tememos que, infelizmente, a superlotação e a necessidade de abertura de vagas estejam abreviando o período de internação”, diz Rodrigues que critica ainda a pouca utilização de recursos como a semiliberdade, quando o jovem estuda e trabalha durante o dia, voltando para a unidade de internação apenas para dormir. “Nós não vamos conseguir mudar essa realidade simplesmente alterando o período máximo de internação [de três anos, previsto no ECA]”, acrescenta ao descartar que a redução da idade penal possa trazer benefícios ao processo de reinserção social.
Enquanto esperava a audiência do filho Ivan*, de 17 anos, acusado de estupro, o vigilante Roberto* disse que preferia que o filho recebesse uma medida de liberdade assistida. “Ele nunca tinha dado problema em relação a isso. Eu preferia que ele tivesse liberdade assistida para ter um acompanhamento, para que ele entenda a responsabilidade, o que ele fez. Porque eu acho que se ele ficar preso não vai mudar nada”, ressaltou o pai, que até voltou a estudar para poder acompanhar de perto o desempenho do filho. “Ver o que ele está fazendo, para ele não cabular aula. Só que eu vi como era a escola. Era para ter cinco aulas e só tinha uma. Vários professores faltando. Além de o aluno não querer, eles também não incentivam”, conta ao reclamar também das condições oferecidas pelo Estado para educação dos jovens.
As medidas que liberam a volta gradual do jovem ao convívio social permitem, segundo o promotor Rodrigues, uma avaliação mais precisa do processo socioeducativo. [A equipe multidisciplinar] pode observar um comportamento natural do adolescente e ver se houve um progresso no processo socioeducativo, ou não”, destaca.
A liberdade assistida, entretanto, apresenta outros desafios para os jovens. Depois de cumprir um mês de internação provisória por roubo, o adolescente Gustavo*, hoje com 17 anos, conta que sofreu preconceito ao retornar à escola. “Alguns professores implicavam comigo. Eu tive um trabalho extra. Todo trabalho que eu fazia, não ganhava a nota mínima de cinco. Isso me prejudicou. O que me salvou foi a feira cultural em que eu consegui tirar dez”, relata sobre os problemas que enfrentou para conseguir concluir o último ano do ensino médio.
O técnico socioeducativo Danilo Ramos confirma a versão de Gustavo*. Com base nos oito anos de trabalho no Centro de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente (Cedeca) em Sapopemba (zona leste da capital paulista), ele diz que os jovens que cumprem medidas de semiliberdade ou liberdade assistida tendem a sofrer perseguição no ambiente escolar. “O menino é visado. Qualquer coisa que ele faz, ligam aqui ou para a família. E fica um embate. Com isso, o jovem acaba abandonando [a escola]”, conta.
*Os nomes dos jovens são fictícios