O Semiárido brasileiro possui mais de um milhão e setecentos mil estabelecimentos rurais agropecuários, segundo dados do Sistema de Gestão da Informação e do Conhecimento do Semiárido Brasileiro (Sigsab). Deste total, cerca de 90% é ocupado pela agricultura familiar. Assim, considerando suas particularidades ambientais, é de fundamental importância buscar e promover alternativas, por meio de pesquisa científica e participativa, para a convivência sustentável na região.
A agricultura familiar constitui um sistema complexo e diverso, que funciona sob uma lógica distinta da economia empresarial. Uma das principais características é que o trabalho da família é elemento central no processo de geração de riqueza no âmbito do agroecossistema. Grande parte da riqueza produzida é utilizada para o auto-sustento, ou seja, apropriada pela própria unidade familiar e contribui para garantir sua segurança alimentar.
Um projeto do Instituto Nacional do Semiárido (Insa/MCTI), em parceria com a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), há dois anos mapeia as estratégias utilizadas pelos agricultores dos diversos estados que integram o Semiárido brasileiro para minimizar os efeitos da prolongada falta de chuvas. O projeto visa acompanhar 100 famílias que implementaram infraestruturas hídricas em suas propriedades a partir da execução dos projetos do Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC) e do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), pela ASA.
Viabilidade econômica
No período de 11 a 13 de maio, pesquisadores do projeto se reuniram em Campina Grande (PB) para realizar a análise econômica e ecológica dos agroecossistemas estudados, com foco na conquista da estabilidade e da autonomia pelas famílias para conviver com os longos períodos de estiagem.
Os resultados preliminares da pesquisa apontam que a implementação de tecnologias sociais nas propriedades rurais tem sido um dos fatores que promovem a resiliência social. Oriundo da Física e adaptado aos estudos da sociedade, o termo resiliência se refere à capacidade de as comunidades se recuperarem de eventos extremos, como é o caso das longas estiagens e escassez de recursos. Com o aumento e a estabilização dos níveis produtivos em anos normais de chuva, os agricultores apresentam maior capacidade de enfrentar os períodos prolongados de estiagem.
A história da trajetória das famílias estudadas demonstra que o acesso a políticas públicas de terra e água, bem como a capacidade de se organizarem coletivamente para participação social, têm permitido a produção e apropriação das riquezas e propiciado maior autonomia e melhores condições para enfrentar os períodos mais críticos de escassez.
Paulo Petersen, da AS-PTA, organização integrante da ASA, destaca que a estratégia fundamental para promover a convivência com o Semiárido é que a maior parte das riquezas produzidas no agroecossistema fique para a família, a fim de lhe propiciar maior independência em relação ao mercado externo.
Segurança hídrica
Uma das famílias acompanhadas pela equipe do projeto é a de dona Josélia e seu Carlos Marcolino, da comunidade Furnas, município de Areial (PB). O agroecossistema gerido pela família, de cerca de 8 hectares, tem como principal característica a diversidade produtiva e o permanente processo de inovação, a fim de se ajustar às mudanças nas condições internas e externas.
Para garantir a segurança hídrica e alimentar durante a seca, o casal possui na propriedade cinco tecnologias para armazenamento de água, que são: cisterna calçadão, de consumo, tanque de armazenamento de água, tanque de pedra e barreiro.
Essas tecnologias sociais têm garantido uma infraestrutura hídrica para captar e armazenar água de chuva para consumo humano e para a produção de hortifrutigranjeiros (provenientes de hortas, pomares e granjas) e derivados da pecuária durante o período de escassez. Esses produtos tanto são utilizados para o auto-consumo, propiciando segurança alimentar para a família, como são canalizados para a venda. Devido aos baixos custos produtivos, a riqueza gerada favorece o crescimento econômico da família e do território.
Outras inovações também foram adaptadas ao agroecossistema familiar, como a silagem, a tecnologia de esterqueira para conservar e melhorar a fertilidade do solo e um fogão ecológico. Essas tecnologias têm contribuído para a autonomia e sustentabilidade da economia familiar, bem como para a manutenção do agroecossistema. Como resultado, a família depende da compra de poucos alimentos para consumo humano, como arroz, sal, temperos, macarrão; para consumo animal, adquirem somente o esterco, via Fundo Rotativo Solidário. É autônoma na produção do café, farinha, milho, silagem, macaxeira e feijão.
A economia que organiza o trabalho na agricultura familiar é baseada em valores locais, comunitários, em práticas e conhecimentos tradicionais passados de geração em geração. Mas isso não significa que não sejam eficientes na produção de valores financeiros. Trabalhando em harmonia com os ciclos da natureza, produzem com baixos custos produtivos, gerando riquezas que alimentam o desenvolvimento local. Por essa razão, é fundamental que as políticas públicas considerem e fortaleçam as particularidades desse tipo de economia.
O Insa desenvolve diversas ações relacionadas a tecnologias de captação de água de chuva, infraestrutura de armazenamento hídrico e capacitação para que as famílias possam se apropriar de técnicas que permitem um melhor aproveitamento da água. O diretor do Insa, Ignacio Salcedo, destaca a importância de se promover ações relacionadas a estocagem e armazenamento de água como estratégia fundamental para viabilizar a convivência com o Semiárido brasileiro, bem como a segurança alimentar, hídrica e a sustentabilidade social e econômica das pessoas que vivem nas propriedades rurais.
Texto: Catarina Buriti (Assessoria de Comunicação do Insa)