Maurício Costa Romão
No dia 15 do corrente o Senado Federal aprovou projeto de lei complementar que define regras para a criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios. O mesmo projeto já havia sido vetado pela presidente Dilma Rousseff em 2014 por provocar impactos estimados em de R$ 9 bilhões nas finanças públicas, criando cerca de 400 novos municípios.
Desta feita os proponentes da matéria refinam seu malabarismo retórico e asseguram que pelas novas regras “apenas uns 200 municípios serão criados”. De resto, fazem bravata ameaçando derrubar o veto da presidente se ela insistir em mantê-lo. O famigerado projeto, protótipo de irresponsabilidade fiscal, apenas simboliza a abissal distância que separa a agenda dos políticos das demandas e necessidades da população.
Não há necessidade de desfilar números e exemplos da tragédia socioeconômica e fiscal que se abate sobre a imensa maioria dos municípios brasileiros, tragédia essa que se agravou nos últimos dois anos.
Basta dizer, com dados ainda de 2013 (Firjan), que somente 61 dos 5.565 municípios brasileiros geram receitas suficientes para pagar seus funcionários; quase 800 municípios superam o teto de 60% da receita corrente líquida para pagamento de pessoal; 4.417 municípios apresentam situação fiscal difícil ou crítica, e por aí vai.
O retrato fiscal do município-padrão no Brasil já é conhecido: depende basicamente de transferências governamentais (FPM, ICMS e outras), gasta mais da metade das receitas com pessoal, a receita própria (ISS, IPTU, etc.) é irrisória ou inexistente e, tirando as despesas com pessoal, custeio e dívida, sobra muito pouco ou nada para as despesas com investimento.
E é diante desse quadro adverso, emoldurado pela grave crise econômica que assola o País, que suas excelências requentam o absurdo, com argumentos que beiram às raias da desfaçatez: desassistidos pelos municípios-mãe, os distritos, separados, terão estruturas institucionais, serviços e equipamentos públicos que lhes permitirão desenvolver e ter melhor qualidade de vida.
É falacioso o argumento de que os distritos não se desenvolvem porque não têm autonomia, porque se encontram sob o jugo da sede, sem assistência. Os distritos não se desenvolvem porque não têm produção, não criam empregos, não geram renda, não têm infraestrutura.
As generalizações são perigosas, mas diante das agruras municipais é concedido venia fazê-las: como é que um distrito que não se desenvolve (tanto assim é que pleiteia separar-se sob esta mesma alegação), pertencente a um município-mãe insolvente, pode manter-se autonomamente do ponto de vista fiscal e financeiro?
Que mágica é essa que faz com que um distrito pobre, de uma sede também pobre, seja capaz de nascer com condições estruturais de produção, emprego e renda superiores as do seu estágio antecedente, a ponto de, enfim, desenvolver-se?
Mesmos os distritos territorialmente longínquos da sede, situação sempre lembrada pelos criacionistas, alguns deles não carecem de separação, pois são muito mais conurbados com outras cidades-pólo do que com as cidades-matriz.
As novas cidades, já se sabe, vão sustentar-se exclusivamente à custa das transferências governamentais, não têm como melhorar a qualidade de vida de seus munícipes, e serão, ao fim e ao cabo, mais uma fonte absorvedora de recursos públicos.
Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Cenário Inteligência e do Instituto de Pesquisas Maurício de Nassau.