terça-feira, 8 de novembro de 2011

HELDER MACEDO FALA SOBRE O LIVRO DA PROFESSORA DAPAZ QUE EM BREVE SERÁ LANÇADO NA TERRA DA MÚSICA

 
imageO carnaubense escritor, historiador e professor Helder Macedo fala sobre o lançamento do livro da professora Dapaz. Histórias das fazendas dos Azevedo; Cotidiano e Vida Privada (Carnaúba dos Dantas, Séculos XIX e XX)
PREFÁCIO

Nos últimos anos tenho observado o surgimento de um crescente número de estudos acerca da história e da cultura de Carnaúba dos Dantas, município que está localizado no sertão do Seridó do Estado do Rio Grande do Norte. A grande maioria desses trabalhos foi produzida por intelectuais, pesquisadores ou escritores que têm suas raízes fincadas no vale do rio Carnaúba, à sombra do Monte do Galo e gozando da belíssima visão da Serra da Rajada. Tal é o exemplo de Cotidiano e vida privada nas fazendas dos Azevêdo (Carnaúba dos Dantas, sécs. XIX-XX), livro de autoria da historiadora Maria da Paz Medeiros Dantas.
Os naturais e moradores de Carnaúba dos Dantas, infelizmente, ainda desconhecem o inapreciável valor dessa historiadora, que, além de mensageira dos domínios de Clio, é filha de Inácio e Mariinha, irmã de Lúcia de Fátima, esposa de Gonçalves e mãe de Rafael e Taciana. O ainda é proposital, já que a publicação de seu livro, assim espero, irá tornar sua experiência de historiadora mais conhecida. Falo da autora de um lugar bastante privilegiado, já que ela foi minha professora de História no Ensino Médio, em Carnaúba dos Dantas. Superando as expectativas, tornou-se minha mestra e transmitiu-me os primeiros ensinamentos de como se fazer ciência no campo da História, sobretudo orientando-me quanto ao rigor metodológico na pesquisa e na produção de textos.
Foi, para mim, mais que uma professora que copiou anotações e exercícios no quadro negro: problematizou temas controversos, instigou a realização de pesquisas, realizou viagens de campo, incluiu os discentes em projetos. Certamente essa não é uma sensação individual, vivida apenas pelo autor destas linhas, considerando que dezenas (arrisco: centenas!) de carnaubenses passaram pelas mãos da professora Maria da Paz, seja no Ensino Fundamental ou mesmo no Ensino Médio.
Essa destreza na prática pedagógica e na pesquisa histórica é fruto da força de vontade dessa carnaubense, que, vencendo dificuldades próprias de uma jovem de cidade pequena, conseguiu chegar ao Ensino Superior. Graduou-se em Estudos Sociais e posteriormente em História nos campi de Currais Novos e Caicó da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, respectivamente. Além das duas licenciaturas, anos depois voltou ao Ensino Superior e fez uma pós-graduação lato sensu em História do Nordeste, no mesmo Campus de Caicó. O resultado dessa especialização foi uma pesquisa que culminou na produção e defesa da monografia Desvendando o viver nas fazendas dos Azevêdo (Carnaúba dos Dantas – 1870/1940), sob a orientação da Profª. Esp. Maria das Dôres Medeiros, cujo texto transformou-se no livro que ora é levado ao público através do auspício do Programa BNB de Cultura, tendo o BNDES e o Governo Federal como parceiros.
A principal temática do livro é o cotidiano e a vida privada de duas fazendas situadas, nos dias hodiernos, na zona rural do município de Carnaúba dos Dantas, no período que vai de 1870 a 1940. Lugares esses denominados de Carnaúba na documentação oficial e que, no dia-a-dia, eram reconhecidos pelo nome dos seus proprietários: Antonio de Azevêdo ou Cabrinha de Azevêdo. Estou falando das fazendas dos Azevêdo, cujas edificações principais ainda encontram-se parcialmente de pé no solo do sítio Carnaúba de Baixo, resistindo à acidez do tempo como monumentos históricos da vida rural no sertão do Seridó.
Nas páginas do livro o leitor não encontrará apenas nomes de coronéis, grandes proprietários de terra e patriarcas. Verá homens e mulheres que praticavam seus ritos do cotidiano nas fazendas do vale do rio Carnaúba e de cujas memórias a pesquisa da professora Maria da Paz se nutriu. Homens ordinários, utilizando a formulação do filósofo Michel de Certeau, cuja problematização a autora deslinda em seu livro ao indagar-se como as pessoas comuns passavam o tempo, como estruturavam sua vida econômica e social, de que maneira se relacionavam entre si e, ainda mais, quais estratégias usavam para viver e sobreviver no cotidiano. A obra, fruto de uma rigorosa pesquisa histórica, metodologicamente fundamentada na História Cultural e na História do Cotidiano, está dividida em três capítulos, que acompanham a construção do raciocínio lógico da autora acerca da temática da vida no mundo rural de Carnaúba dos Dantas.
No primeiro capítulo é examinado o processo de ocupação e colonização da Ribeira do Seridó, no contexto da interiorização da pecuária promovida após a expulsão dos holandeses (1654), movimento que culminou com os episódios conflitantes das Guerras dos Bárbaros (1683-1725). Após os combates contra os tapuias sublevados, fazendas de criar gado foram erguidas pelos colonizadores portugueses e luso-brasílicos nos terraços fluviais das diversas ribeiras que lançam suas águas no rio Seridó, onde foi aproveitada mão-de-obra escrava de procedência indígena e negra. No vale do rio Carnaúba a situação não foi diferente, havendo evidências de ocupação desse território a partir do começo do século XVIII, com as ocupações de Luís Quaresma Dourado, Brás Ferreira Maciel e Caetano Dantas Corrêa. Este último, além de utilizar os pastos do vale para o criatório, povoou o riacho Carnaúba com fazendas de gado que foram habitadas por quatro de seus filhos: Caetano (2º), Simplício, Silvestre e Alexandre. A fazenda Carnaúba, que pertenceu ao segundo Caetano Dantas, foi sendo sucessivamente retalhada entre seus descendentes, vindo a originar, em meados do século XIX, os núcleos de criação de gado habitados por Antonio de Azevêdo e Cabrinha de Azevêdo.
A casa de fazenda é a temática do segundo capítulo do livro, que explora a forma como os moradores do sertão do Seridó erguiam seus lugares de moradia – a princípio utilizando a taipa e, a partir de meados do século XIX, valendo-se da alvenaria. Esse processo é bastante evidente observando-se a fazenda de Antonio de Azevêdo, cuja casa de moradia era, inicialmente, de taipa, tendo sido feita uma puxada de tijolos na segunda metade do século XIX, na época do seu casamento. Tanto na casa da fazenda de Antonio de Azevêdo quanto na de seu primo Cabrinha de Azevêdo são analisados o processo de construção dessas residências e de montagem dos seus cômodos, bem como as funcionalidades que cada espaço doméstico. Nessa parte do livro o leitor terá a oportunidade de adentrar pela casa da fazenda e conhecer a sala, a camarinha, a cozinha, o alpendre e outros lugares onde se praticavam as artes de fazer, no dizer de Michel de Certeau.
O último capítulo do livro discute como os homens e mulheres das fazendas dos Azevêdo viviam no seu dia-a-dia e experienciavam a sua privacidade. O nascimento das crianças, o cuidado com os recém-nascidos, as cerimônias de batizado; os primeiros rudimentos de formação religiosa e o ritual da Primeira Eucaristia; os flertes, as paqueras, os namoros e a preparação para o casamento; as agonias do último momento, a extrema unção e a morte. Esses flashes do cotidiano, que marcam ritos de passagem na vida dos indivíduos, são abordados na parte final do livro, oportunidade em que o leitor terá condições de achegar-se à intimidade daqueles que passaram seus momentos de vida e de morte nas fazendas dos Azevêdo.
A obra da professora Maria da Paz é um convite para se conhecer o passado da vida rural de Carnaúba dos Dantas, personificado nas histórias cotidianas de homens e mulheres que nasceram, viveram e morreram nesse espaço. Histórias das fazendas dos Azevêdo: cotidiano e vida privada (Carnaúba dos Dantas, séculos XIX e XX) é um livro que brinda os carnaubenses com fragmentos de sua história, retratados por uma historiadora de inestimável valor para todos nós. Merece, portanto, ser lido, difundido por pessoas de todas as idades. E, ademais, colocado à disposição de professores e alunos, para que não se pense, nos estabelecimentos escolares, que o ensino de História ainda é pautado nos grandes fatos, nos grandes homens, nas grandes histórias. É a própria autora do livro, parafraseando Machado de Assis, quem nos diz que é válido, também, olhar as coisas miúdas, aquelas que escapam à primeira vista: o cotidiano, a privacidade, a intimidade, aquilo que se esconde por trás do manto obscuro da história oficial. Bom, o convite já foi feito! Resta, agora, se embrenhar pelas fazendas dos Azevêdo e (re)descobrir suas histórias!
Helder Alexandre Medeiros de Macedo
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Sobre a autora:
Maria da Paz Medeiros Dantas nasceu em Carnaúba dos Dantas/RN. É graduada em Estudos Sociais e História ( licenciatura ) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte ( UFRN ), Campus de Currais Novos e Caicó, respectivamente. Especialista em História do Nordeste pela UFRN, onde sob a orientação da profª Maria das Dôres Medeiros realizou estudo e defendeu a monografia intitulada "Desvendando o viver nas Fazendas dos Azevêdo - Carnaúba dos Dantas - 1870/1940". Professora das redes públicas de ensino do Estado do Rio Grande do Norte ( atualmente aposentada ) e do município de Carnaúba dos Dantas. Apaixonada pelos estudos desde criança, enfrentou-os com perseverança e por incentivo dos seus pais, que não mediam esforços para que as filhas tivessem uma melhor formação escolar.

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